Não gostava de nada. Do cheiro, das cinzas, do modo como o olhar do garoto se perdia, de como o sorriso se esvaía naqueles fantasmas brancos que saíam da boca. Toda vez que Alexandre fumava, Napoleão tentava entender o que se passava na sua mente e o porquê de terem parado de jogar bola na pracinha a uma quadra de casa. O rabo abanava esperançoso e o cachorro ensaiava a parte traseira pra cima e pra trás, com alguns pulinhos e latidos simpáticos, enquanto os olhos se fixavam em Alexandre, mas nenhum contato era feito. O menino estava sozinho. Talvez fossem os gritos, que ele abafava com as mãos apertadas nas orelhas toda vez que o pai voltava pra casa cambaleando, com um bafo tão ruim que superava o dos amigos mais arruaceiros de Napoleão. Não era com Alexandre que o pai gritava, entretanto, mas com a mãe. No final, era muito para entender, mesmo para uma mente canina tão apurada quanto a de Napoleão. Ele suspeitava que para a mente humana também.
No dia em questão, entretanto, nenhum dos dois esperava o som de um carro estacionando. Enquanto Napoleão assumia sua posição de defensor apreensivo, Alexandre apagava o artefato malígno, como cara de quem foi pego na batalha. Ou ela não viu ou fingiu que não viu, mas foi só quando a mãe de Alexandre pegou a mão do garoto estupefato, num misto de puxar e guiar o caminho, que o cachorro começou a realizar o que estava acontecendo. Demorou alguns segundos ainda a entender que deveria seguir os dois por aqueles cenários de guerra, até terminarem de atravessar a casa e entrarem no carro.
Adultos cumpriam promessas, afinal. Era a primeira vez que Napoleão via a demonstração de tal feito. Achou que a honra merecia medalhas, pois tinha certeza de que a vida dos três mudaria muito. Não demorou muito para que os acontecidos provassem que ele estava certo. Os vizinhos vieram logo ajudar a tirar as poucas caixas que se espremiam dentro do carro. Era uma casa quase vazia, mas cheia de espaço para preencher com novas experiências e brincadeiras. Depois de olhar em volta, admirando o quarto novo arrumado, Napoleão e Alexandre trocaram olhares. Era a primeira vez em um longo período, iniciado justo com o vício do pai. Alexandre apalpou o bolso direito da calça jeans azul suja para ver que o maço ainda estava lá. Saiu correndo. Napelão logo o alcançou, arfando mais de desespero do que cansaço. O garoto, entretanto, não se dirigiu ao quintal, como costumava fazer na casa antiga, mas se perdeu entre o pequeno labirinto até encontrar o banheiro. Olhou mais uma vez para Napelão, que o notou tanto excitado quanto temeroso. Jogou os últimos cinco cigarros dentro da privada, enrolou o maço vazio em papel higiênico, para disfarçá-lo no meio do lixo, e puxou a descarga duas vezes. Quando terminou, Napoleão podia ouvir e sentir claramente a respiração dos dois. O garoto esboçou um brilho nos lábios e saiu correndo novamente. Dessa vez, Napoleão se perdeu ao tentar achá-lo. Depois que alguns segundos acuando em exasperação, foi encontrar Alexandre no pequeno jardim da frente. Sentiu o cheiro da velha esfera antes de vê-la, eriçou o pelo e abanou o rabo da forma mais forte que pode, enquanto corria, já com a bola entre as patas.